Assisti, há dias, a um colóquio que se
realizou na sede da Associação dos Naturais de Moçambique, sobre o tema de
«promoção social das populações», do qual se ocupou, primeiro, o dr. Velez
Grilo, em interessante dissertação, ficando, depois, à disposição das numerosas
pessoas presentes, para o debate que se seguiu.
Sem pretender atribuir a ninguém as culpas
do facto, quero aqui somente registar um engano grave e geral, que veio desde o
princípio e se manteve a dominar o colóquio até ao fim, reflectindo, aliás, uma
confusão estranhamente generalizada na opinião pública, possívelmente em
resultado da acção mal definida de certos serviços.
Assim, aconteceu no colóquio que a maior
parte das pessoas se ocupou num dilema incrível: desenvolvimento económico ou
promoção social?! Qual mais importante? Qual mais urgente? Antes, já se falara
de instrução, e, por isso, houve quem, solicitamente, explicasse que isto de
promoção social é coisa que tem de ser feita com um bocadinho de tudo, algum
desenvolvimento económico, algum ensino, enfim uma saladinha jeitosa, sem mão
pesada nos temperos; tendo sido admitido que sim, senhor, assim era,
acrescentando-se mesmo, com algum espírito científico (usando-se já uma técnica
não de salada mas de cocktail) que assim era até certo ponto.
Mais adiante, no decurso do mesmo
colóquio, perante as arremetidas teimosas dos campeões do desenvolvimento
económico, preferindo-o até à promoção social, foi a tolerância ao ponto de se
admitir, que, lá diz o ditado: «casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem
razão»... Donde me pareceu querer-se insinuar que, de facto, é conveniente que
as pessoas tenham algo de comer para se pensar em promovê-las socialmente. Será
isto?!
Por outras palavras, entende-se que, se
queremos ensinar pessoas a estar à mesa, convém que antes lhes justifiquemos o
acto de se sentarem a ela.
Em resumo: salvo o devido respeito por
todos os intervenientes, deu-me o referido colóquio a impressão de se estar
fora ou não se querer mesmo entrar nas realidades que nos deviam ocupar não só
por palavras, mas, principalmente, por obras, comportando-se ali toda a gente,
afinal, como se não soubesse muito bem o que é essa coisa a que chamam promoção
social. E para aumentar a confusão ainda veio decisivamente contribuir a
informação de que no estudo do Plano de Fomento se sentiu a necessidade de
constituir uma comissão de promoção social, dando a ideia de que superiormente
se verificou que a promoção social também é necessária ao fomento da economia e
não esta uma condição indispensável, a primeira e a mais importante de todas,
para se alcançar aquela.
Claro que eu estou a falar de Moçambique,
porque suponho que era de Moçambique que no colóquio se tratava. E, neste
pressuposto, não concebo, não sou capaz de acompanhar o raciocínio, as
especulações e o fraseado de quem quer que seja que pretenda propor, solicitar
e estudar soluções para a promoção social dos moçambicanos sem partir da elevação
do nível económico da sua vida. Pois o que será promoção social de quem
precisa, antes de mais coisa nenhuma, de ser alimentado, de ser alojado
convenientemente, de ter saúde e de ser instruído?! Não vejo nem ninguém vê
como se possa educar um povo, elevá-lo socialmente, sem lhe dar o pão
suficiente, a casa digna, o hospital onde se trate e a escola onde aprenda a
ler. Tudo quanto se fizer, antes de isto, ou se pretenda fazer à margem disto,
será lirismo, será o carro à frente dos bois, será insensatez. Pois que na
consecução desses bens essenciais já se contém uma valiosíssima elevação
social, porque económico-social será esse progresso, que, aliás, todos o
sabemos, Santo Deus! não pode ser progresso económico sem resultar em elevação
social, nem pode ser progresso social sem ter sido elevação económica.
Ora, no caso que nos interessa - os povos
de Moçambique - a promoção social deles terá de ser e será, por certo, o
verdadeiro objectivo, a única meta de toda a acção governamental, de todo o
trabalho público, de toda a acção consciente dos cidadãos responsáveis.
Promoção social não pode ser o âmbito do trabalho limitado duma pequena
repartição encaixada numa comissão que estuda um plano de fomento; a promoção
social das populações está acima e à frente desse fomento. Para a promoção
social das populações se fazem estradas, se constroem hospitais, se erguem
escolas, se criam universidades, se contratam professores, técnicos,
cientistas; para a promoção social das populações, há impostos, há governos, há
política. Temo verdadeiramente que os nossos colóquios não cheguem.
Não sei ao certo donde nasceu agora esta
ideia de promoção social como ciência infusa, mas desconfio, já disse, que
resultou de recentes serviços de acção confusa. Entretanto, o que penso é que seriam
de enorme utilidade aqueles colóquios em que pudesse participar livremente a
opinião pública de Moçambique - através dos seus órgãos legítimos, os jornais -
tendo por temas todos os capítulos desse programa geral e completo que se pode
chamar de promoção social das populações; certamente apareceriam vozes
numerosas e de valia a debater os assuntos de economia, saúde, instrução e
cultura, enfim, a falar de promoção social.
Para terminar darei um exemplo do que
pretendo referir: naquele coloquiozinho, a certa altura, fomos informados de
que, por cálculo do administrador Rita Ferreira seriam necessários ao Governo
750 mil contos por ano para prestar às populações rurais uma assistência
proporcional aquela de que beneficiam as populações urbanas. Isto é, para se
resolverem os problemas mais urgentes e mais gritantes do mato, seriam gastos
750 mil contos anualmente.
Esta revelação deu-me uma alegria enorme
no primeiro impacto e fez-me ficar tristíssimo quando pensei melhor. A alegria
nasceu-me de ter achado barato; eu pensava em muitos milhões de contos, coisa
de americanos... Mas fiquei triste, logo que me lembrei que, afinal, nem isso
se gasta, porque não se pode gastar quando se distribuem verbas segundo uma
escala de valores e numa ordem de prioridades, etc e tal, continuei pensando
por aí fora, mas nem vale a pena escrever, não é verdade?
Ora, esta! Setecentos e cinquenta mil
contos... Só?!
Então não me falem de promoção social.
[A
Voz de Moçambique, Lourenço Marques, ano IV, nº 78, 25 de Maio de 1963, p. 12]
Tantos anos se passaram e na minha recente viagem por Moçambique percebi, que a diferença dos investimentos efetuados nas zonas urbanas e rurais, continua calamitosa.
ResponderExcluirA falta de infra-estruturas básicas, como hospitais, ensino com bom nível de instrução,etc me pareceu mais latente do que na época colonial.
Aliás isso talvez seja o motivo pelo qual a abstinência de voto nas eleições realizadas agora em Cuamba, Pemba e Quelimane, tenham batido todos os recordes anteriores.
Dessa forma o povo mostra o quanto está cansado de promessas vazias, feitas por "santos de pau ôco" que aparecem só nas campanhas eleitorais, para nunca mais dar as caras no período de legislação e governo de fundos mal gerenciados. (quando não desviados para fundo pessoal).
Depois de 36 anos após a independência, a parte jovem da população, na sua grande maioria com um precário nível de qualificação profissional, não aguenta mais ouvir a "lenga-lenga" que procura o culpado num tempo, em que nem os pais deles pensavam em os pôr no mundo. Nasceram independentes, governados por moçambicanos. Leões cheios de energia, que não aguentam a letargia da geração acomodada dos hipopótamos.
Por outro lado gostei de ter visto que na Beira, que por ser bem menor que Maputo, também ter muito menos investimentos onde possa arrecadar tantos impostos como Maputo, está muito mais limpa que a capital do país. Isso mostra, que há solução, basta só querer.
(cont. da msg anterior)
ResponderExcluirAs soluções para parte dos diversos problemas que Moçambique tem, independente da região ser urbana ou não, não pode passas só pelos investimentos, que com a crise mundial tendem a rarear. E sim em grande parte, num melhor e mais sério gerenciamento, dos impostos e fundos arrecadados com parcerias internacionais. Devem reverter melhor e mais rapidamente para as populações mais carentes.
António Maria G.Lemos