António Trindade Martins, em meados de Setembro de 1967, aos
20 anos de idade, partiu de Moçambique com destino a Lisboa para depois ir para
a França frequentar um curso de jornalismo.
Na sua ficha da PIDE, em 17/09/1968, já estava registrado
que “Consta que tem ideias políticas comunistas, suspeitando-se que pretende ir
para a Hungria, a fim de ali continuar o curso de jornalista."
Em 18/10/68 a correspondência enviada por António Martins a
Gouvêa Lemos já era escrita a partir de Budapest. Mais tarde, em 1970 aos 23
anos de idade, já na Suécia acaba por conseguir exilio politico, após ameaças
de expulsão deste país, através de apoios de organizações como a Amnistia
Internacional.
O mesmo havia se ausentado do território português sem
servir o exército, sendo dado pelo governo português como desertor.
Em Novembro de 1968 o Ministério do Exército já havia formalizado
pelo ofício 1782/SC a solicitação para a captura do mesmo, que foi acatada pela
PIDE através da O.S. 325/68.
As correspondências enviadas a Moçambique aos seus
familiares e amigos, como Gouvêa Lemos, como o inverso, eram capturadas pela
PIDE. Nessa ocasião, por uma destas correspondências, a PIDE na Beira abriu um
novo processo de investigação aparecendo o Jornalista junto ao “opositor” e
seus familiares como fichados.
Abaixo transcrevo uma das suas cartas que nunca chegou ao
GL. Palavras que ao mesmo tempo passavam otimismo em relação ao seu futuro, passavam
também as saudades de amigos e familiares.
Desta história podemos retalhar um monte de experiências e percepções,
mas a maior delas, me parece, é o reforço de que um estado ditatorial e/ou
ambientes de guerra induz o jovem a amadurecer precocemente.
Transcrição da carta...
Budapest, 18 /10/1968.
Caríssimo Gouvêa Lemos,
Após cerca
de um ano de silêncio - e depois de ter recebido a sua carta (perdoe-me!) volto
a escrever-lhe duas linhas, desta vez não de Paris, mas de Budapest, via Paris,
para lhe enviar o meu grande abraço.
Estou aqui há cerca de duas semanas. Havia-me candidatado a uma bolsa de estudo
para Economia Política em Paris e concederam-me.
Tive hoje a
minha 3ª. aula de húngaro. Note-se que chamo aula a um dia de aulas que
compreende entre a 6 e 7 horas !
O 1º. ano é,
pois, carregado à aprendizagem da língua. Depois, será mais 4 anos para o
curso. Portugueses somos 5 + 1 moça. Há
ainda angolanos (9 a 10), moçambicanos (6 a 7) e guineenses (9 a 11). Estão em
regra geral cursando especialidades técnicas. Cada um deles receberá no fim do
curso uma preparação militar. Quanto a nós, portugueses, a nossa valorização é
puramente cultural. Estou imensamente satisfeito porque consegui, enfim, a
minha chance de fazer algo por mim para que porem depois
fazer melhor pelos outros.
Estou-lhe a
escrever de um cafezinho muito discreto que fica a 10 minutos do meu colégio.
Terminei as aulas, ??????? e estou à espera da minha “professora”. O húngaro é
extremamente fechado mas eu
ao fim de uma semana encontrei uma professora muito competente...
Gostaria
imenso de saber algo sobre si, sobre toda essa gente, sobre o nosso jornal ! Há
muito que ninguém me escreve daí! Da minha família há muito que também não sei
de nada! Escreva-me, pois, por 2 ou 3 linhas que sejam, para a direção do meu
tio em Paris. Ele tem instruções sobre correspondência com território
português.
Receba pois
um abraço trans-continental, trans-cortina-de-ferro, trans-oceânico do amigo
que não se esquece de si.
Sinceramente,
Assinado....
P.S.: A sua
operação, como correu? A D. Madalena como está? Os mais pequenos? Um abraço a
todos, bem como à gente do N. B. e de uma maneira geral a todos os contatos da
Informação.