O suspeito Tembe estava para ser extraditado para a Suazilândia pelo governo português, indo contra a própria legislação de então. Após o GL escrever no seu estilo irônico e contundente a crônica que segue abaixo, as autoridades portuguesas em solo moçambicano mudaram de imediato o discurso e passaram a negar que o Tembe seria extraditado.
O falecido advogado Adrião Rodrigues conta-nos esta passagem no seu blogue "gaudium et spes" no texto intitulado "História do Zeca Russo ou o assassinato de um chefe de polícia" que transcreverei logo após a crônica. Percebe-se um equivoco do Adrião Rodrigues quando fala em ter sido o texto escrito na Tribuna, pois acabei por a identificar no Número 101 da Voz de Moçambique, mas este não prejudica em nada o relato da história de um dos grandes chapas do GL.
Segue então o que interessa!
EDITORIAL
O "CASO - TEMBE"
Ocupou-se o Imprensa diária, largamente, do caso de
um tal Fernando Tembe, português, natural de Moçambique, que tendo cometido
crime de assassínio na Suazilândia e ali sendo condenado à morte, conseguiu
evadir-se para a sua terra e aqui veio a ser preso, como autor de avultado roubo, no concelho da Matola.
Está, agora, o réu de tão graves acusações
sob a alçada das nossas leis, isto é, submetido à Justiça da sua pátria e pode,
assim, afirmar-se que Fernando Tembe tem, desta feita, a melhor oportunidade possível de conhecer inteiramente as vantagens de ser português.
De facto, ao atravessar a linha de fronteira
entre o país onde estava prestes a ser morto por ter matado e a terra em que
viera à luz do mundo e vivera os seus primeiros anos ainda inocentes, o assassino e ladrão transferiu-se
do âmbito duma Lei, que reconhece ao homem o direito de matar o homem como
castigo, considerando o criminoso um elemento deletério irrecuperável, que é
necessário segregar definitivamente para a luz duma outra Lei mais humana, que teima em ver no homem, por mais baixo que
ele desça, um ser humano com um mínimo indestrutível de dignidade, com uma
capacidade íntima de se redimir, punindo-o mas não o suprimindo, e ao puni-lo
o faz sempre com a ressalva de o poder um dia reintegrar na sociedade de que
presentemente é considerado inimigo.
O que vai, então, acontecer a Fernando Tembe? Vai, por certo, ser julgado
na sua terra, pelas suas leis, usando, no Tribunal, de todas as garantias que
essas mesmas leis lhe consignam; poderá ser condenado e, também, à pena
máxima; dará, por isso, entrada num estabelecimento prisional, para cumprir a
sentença de viver sem liberdade entre duas e três dezenas de anos. Desde início,
agindo sobre ele um moderno sistema jurídico-penal, passará imediatamente a
ser útil ao seu semelhante, pelo trabalho diário, de caracter agrícola ou
industrial, ao mesmo tempo que se começa a processar a tarefa lenta da sua
recuperação.
Quer dizer que Fernando Tembe, com tão grande
dívida para a humanidade, começará fogo o
seu pagamento, em vez de se transformar simplesmente em mais uma vida perdida,
a somar às que ele ceifou. Por isso é que, humanissimamente, a Lei portuguesa
não aplica a pena de morte. Porque se baseia na crença em que o homem pode
sempre salvar-se e na certeza de que ele não tem direito sobre a vida humana.
Não acontecerá a Fernando Tembe aquilo que,
por má informação, chegou a supor-se, isto é, a extradição para a Suazilândia,
onde cumpriria a pena máxima, na forca; Isso seria uma abdicação da nossa
Justiça, uma subserviência das nossas autoridades e, finalmente, uma desumanidade
nada portuguesa.
Se Fernando Tembe é de Moçambique será
julgado em Moçambique; se é português, serão olhados os seus crimes à luz das
leis portuguesas e, segundo elas, serão punidos.
Não tenhamos dúvidas de que assim vai
acontecer.
Ano IV – No. 101 – 2 de Novembro de
1963 – Página 3
Abaixo, retalho do texto de Adrião Rodrigues de 16 de Fevereiro de 2007...
Exemplo de jornalismo apurado. Ao não se envolverem nas polêmicas que o caso em si poderia provocar, concentraram-se nos fatos relevantes, e conseguindo assim, que a lei fosse cumprida...pelo menos uma vez. E extradição ilegal foi bloqueada e o assassino Tembe teve mais uma chance de vida. Se aproveitou ou não, não sabemos, mas a lei de um pa¿is deverá sempre ser para todos os seus cidadãos.
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