Ser filho do Gouvêa Lemos deve ajudar a ter um sentimento de
injustiça pela memória curta de grande parte de moçambicanos e portugueses em
relação à sua importância no jornalismo luso-moçambicano nos tempos de
Moçambique colônia.
Entendo que as novas gerações não saibam quem foi o
jornalista e assim não conheçam a sua história. Mas me entristece que pessoas
ligadas ao jornalismo moçambicano, e português, alguns que foram ainda seus
contemporâneos, não busquem colocar o seu nome em evidência pelo menos quando
as circunstancias assim apontam. O mundo anda, nós envelhecemos, e assim nos
últimos anos temos perdido importantes personagens da imprensa e da literatura
que foram testemunhas vivas e atuantes
de uma ditadura colonial e que com as suas penas e tinteiros digladiaram com as
injustiças daqueles tempos. As lutas eram tão intensas que as suas necessidades
pessoais, e das suas famílias, ficavam quase sempre em segundo plano. Não
morreram com balas no peito, mas perderam anos das suas vidas pelos ideais em
que acreditavam.
Gouvêa Lemos foi um desses homens. Um homem justo. Um homem
que valorizava os homens. O poeta José Craveirinha, o fotógrafo Ricardo Rangel
foram dois dos muitos nomes que tiveram o privilégio de conviverem
profissionalmente com o chapa Gouvêa Lemos, como Craveirinha o tratava, e com o
Mestre, como Ricardo Rangel o reverenciava.
Tenho o blogue “Jornalista Gouvêa Lemos” como um espaço para
matar saudades do que pouco tenho acesso das suas crónicas e como uma humilde
forma de dividi-las com leitores que por algum motivo tenham interesse de
voltar ao passado e entender como homens como Gouvêa Lemos conviviam com a
realidade daqueles tempos. Nos três anos que eventualmente atualizo algum
material, foram raras as vezes que fiz referencias ao Jornalista. O foco é
sempre a reedição de alguns dos seus textos, e quando busco fazer algum
comentário o faço como os demais leitores, no espaço apropriado a leitores.
Hoje, pela ocasião do falecimento do seu contemporâneo
Fernando Magalhães e por comentários que me fizeram chegar sobre um texto
editado no jornal SAVANA, de Maputo, acabei por sentir necessidade de fazer
algo como um desabafo, aproveitando para me despedir mais uma vez do meu Pai
quando digo adeus a um seu amigo e colega de profissão. Cada vez que um dos
seus chapas se vai deste mundo, sinto um pouco mais a perda do Pai. Creio que
isso esteja relacionado ao tê-lo perdido muito miúdo. Tinha eu os meus 11 anos
de idade, e como filho era ele, como todos os pais, o meu Pai Herói. Dali para
a frente conheci o Pai e o Jornalista pelos seus amigos e o Pai pela minha Mãe.
No livro 140 ANOS DE IMPRENSA EM MOÇAMBIQUE, editado pela
AMOLP em 1996 com a coordenação de Fátima Ribeiro e António Sopa, Fernando
Magalhães foi escolhido para escrever sobre o seu amigo Gouvêa Lemos. Como
homenagem a ambos, transcrevo aqui algumas das suas frases do texto que
intitulou como “GOUVÊA LEMOS: O HOMEM QUE QUERIA SER JORNALISTA”:
“Conheci o Gouvêa Lemos no início dos anos 60. Ele era chefe
ou subchefe de redacção do Notícias e eu tentava a minha carreira de jornalista
na muito desprezada “Reportagem” onde tínhamos a obrigação de relatar o que se
passava na capital de Moçambique (Província). Fazia portanto a “tabela de
marés”, a meteorologia,...”
“A Censura lia tudo, cortava o que queria e era necessário
saber escrever para a censura. Gouvêa Lemos, irônico, impunha-nos o respeito
pelas técnicas do jornalismo. Destruía com o seu sarcasmo os narizes de cera
que os redactores prestigiados queriam impor. Para ele os rumores iam directos
para o cesto dos papéis ou quando muito podiam ser tratados em crônicas até
porque aquele era um tempo de muitos rumores e poucas notícias permitidas.”
“Não tinha sido em vão que ele passara parte da sua
juventude a trabalhar em jornais brasileiros como o Estado de São Paulo. Só que
por aqui a Censura dava-lhe poucas hipóteses."
“Mas para Gouvêa Lemos a técnica do jornalismo era sagrada.
Foi ele o primeiro a meter-me na cabeça uma das regras de ouro do jornalismo
anglo-saxónico: os factos são sagrados e as opiniões livres.”
“Murmurando contra o cinzentismo do Notícias chegamos a 1962
e quando eu já me preparava para escolher uma profissão mais apaixonante o
Gouvêa Lemos convidou-me para fazer parte dos quadros de um novo jornal que
seria uma pedrada no charco: a Tribuna. A sete de Outubro de 1962, numa noite
incrivelmente quente em que ninguém ligado ao jornal dormiu, saiu o primeiro
número. Claro que estivera para sair alguns dias antes. Mas tal como hoje
amontoavam-se as insuficiências, algumas más vontades paralisadoras e um facto
muito importante: a coordenação do caos de idéias e teimosias de um grupo
numeroso de gente de boa vontade que sabia de tudo, menos do que é fazer um
verdadeiro jornal.
“Coube ao Gouvêa Lemos ser o homem que organizou o caos de
grandes idéias e enormes boas vontades transformando esse caos no que a Tribuna
foi. Um jornal moderno tão bom como os que faziam nas grandes capitais do mundo
e como verdadeiro jornal reflectia o mundo e o Moçambique do momento."
“Um jornal que soube apanhar de surpresa as autoridades
metropolitanas que nem sonhavam ser possível que por cá houvesse conhecimentos
técnicos e atrevimento para se fazer um jornal assim. Um jornal que aproveitava
as hesitações e ambigüidades do regime e as tentativas de abertura de homens
avançados como o Ministro do Ultramar Adriano Moreira ou o Governador Sarmento
Rodrigues, para dar notícias e ter opinião.”
“Foi até ao fim um mestre jornalista. Ao mesmo tempo um
idealista e um técnico pragmático. Lembro-me de uma vez lhe ter perguntado na
Beira (estávamos no fim dos anos 60) se afinal ele era português ou
moçambicano. Disse-me que se estava nas tintas para isso. Que era um jornalista
honrado.”
A imprensa moçambicana faz justas homenagens ao jornalista
Fernando Magalhães que tanta importância teve para o seu jornalismo , mas
derrapa mais uma vez ao deixar o nome de Gouvêa Lemos, e de outros, de fora de
referências a passagens como o do jornal “A TRIBUNA” que na década de 60 foi um
projeto audacioso a que o Fernando Magalhães se refere no seu texto.
Não li mas soube por um amigo, residente em Maputo, que o
jornal SAVANA publicou no último dia 8 de Fevereiro um texto dedicado a este
jornalista e o relaciona à história do jornalismo moçambicano com a sua
passagem pela “TRIBUNA” fundada pelo João Correia Reis, onde em mais um exemplo
a imprensa atual de Moçambique se mostra injusta com este capítulo tão
importante da sua história.
E ironicamente falando, nem a PIDE na época via esse tema
dessa forma. A 2 de Outubro de 1962 um inspetor da PIDE dava conhecimento ao
seu subdiretor o nascimento deste novo jornal em território moçambicano. O
documento identifica neste primeiro documento quatro nomes: o de Frederico
Madureira como diretor, o do João Reis como editor e o de Gouvêa Lemos como
chefe de redação. Fala ainda no nome de José Baptista Oliveira como sendo
responsável por contratar na Metrópole pessoal para a tipografia.
Em Outubro de 1962 é expedido pela PIDE outro documento
confidencial onde além destes nomes aparecem os nomes de Ilídio José da Rocha,
Adérito José Lopes, Domingos Augusto Vieira Azevedo e José João Craveirinha.
Por algum motivo os nomes de Gouvêa Lemos, do Ilidio Rocha e do Domingos
Azevedo estão sublinhados a vermelho.
Anexarei estes documentos para que possam ser apreciados
como parte da história de Moçambique colonial.
Tenho a convicção que os profissionais do jornalismo
moçambicano não haveriam de perder, e sim a ganhar, se buscassem conhecer
melhor a história de Gouvêa Lemos que é componente de grande importância da
história do qual fazem hoje parte.
Não nos devemos esquecer que o hoje não existe sem o ontem.
Quando se esquece existe grande possibilidade de se ficar patinando no que
seria o futuro.
Abaixo coloco as cópias dos documentos da PIDE a que me
referi. Fico com o compromisso de em outra oportunidade de colocar neste blogue
outros documentos relacionados ao cidadão luso-moçambicano e jornalista Gouvêa
Lemos.
Obrigada , por tua coragem de levares em frente as verdade de Histórias Reais , de um meio vivido por nós. E tão bem usas as tuas palavras para as publicares e levares teus blogues . Me orgulho de ver, ler e sentir o dom nos meus irmãos mais novos... a veia dele(pai) correndo em vós .
ResponderExcluirPenso que o jornalismo rápido - influenciado pela internet - pecam muitas vezes por falta de tempo investido na averiguação dos fatos. De informar imparcialmente; "os factos são sagrados e as opiniões livres.”
ResponderExcluirHá uma tendência em clonar ou googlar ao invês de realmente pesquisar diretamente nas fontes. Seja por meio de correspondência ou telefonemas. Há pouco li de um publicista que dizia sobre o seu jornal. Se um jornalista me disser que já tem as informações todas, ou pergunto-lhe quantos telefonemas fez e para que ele os fez, e se forem para menos de 20, digo que acabe de pesquisar primeiro antes de começar a escrever as estória a ser publicada. Um opinião que assim solta do contexto em que li essa reportagem, não marca tanto a importância, que o mesmo pretendia dizer que; sem uma boa e correta averiguação e pesquisa de fatos, não há respaldo para a vericidade da notícia emoldurada pelo nome e respeito de um veículo de comunicação, a ser preservado.
Quem sabe um dia, a História de Moçambique, nos seus vários aspectos âmbitos da palavra, seja um dia contada com a imparcialidade dos fatos que as gerações futuras merecem vir a conhecer.
António Maria
E tá dito, Tó Maria!
ResponderExcluirPara que o que é preconizado pelo Tó Maria,no comentário acima, aconteça, é necessário que todos nós, que fomos testemunhas ou tomámos conhecimento de factos passados naquela época, os relatemos com todos os pormenores dando a eles público conhecimento. Quem, na época, foi diretamente envolvido ou beneficiário, de algum modo, do "esquema" então em vigor, não nos vai trazer de "mão beijada" o relato do que se passou. Procuram é ocultá-lo. E não se trata de denunciar ninguém! Trata-se sim de repor a verdade dos fatos, fazendo justiça a quem, naquela altura, teve a coragem de, contra tudo e contra todos, os relatar e sobre eles dar a sua opinião. Sobre isto espero que os exemplares da VM, agora em mãos de quem os merece, possa colmatar a brecha que tão bem vocês os dois identificaram. Em visitas futuras que façamos uns aos outros, ou através de emails, contarei alguns casos que presenciei ou de que me lembre. Um abraço a todos. Vitor Adrião Rodrigues
ExcluirMeu Tio! Imaginemos que depois de amanhã um de nós visite o outro. Ainda assim haveria tempo para um e.mail para o Tio nos enviar amanhã. Já pensou nisso?
ExcluirNão perderei a oportunidade de aqui agradecer mais uma vez a relíquia com que nos presenteou.
Um imenso abraço.