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sábado, 1 de maio de 2010

“Dignidade no Trabalho”

Em homenagem ao Dia do Trabalhador transcrevo aqui uma crônica do Gouvêa Lemos de 1963 no ambiente de um Moçambique colônia onde, naquele período, atingiu um dos picos da hipocresia deste sistema colonialista pilotado por uma ditadura fascista.
Felizmente já haviam pessoas como Gouvêa Lemos que percebiam como o sistema funcionava, mas infelizmente eram ainda poucas. Ainda que nem todas, como Gouvêa Lemos, não fossem vozes carimbadas pelas "frelimos" principalmente de hoje.
A foto que coloco aqui para ilustrar parte dessa hipocresia é do grande fotógrafo Ricardo Rangel.

Zé Paulo


“Dignidade no Trabalho”
[Coluna “Teclado Universal” de Gouvêa Lemos – Jornal Tribuna – 1963]

A dignificação do trabalho é uma bela meta. Aliás antiga. Trata-se de expressão que faz voga e continua a brilhar em discursos de circunstância, especialmente em festas de confraternização de patrões com o seu pessoal. Trabalhai que é bonito, dizem os patrões.
É digno, diz o capital. Seja como for, já hoje ninguém duvida de que ao trabalho deve a humanidade a caminhada cumprida, e no trabalho busca a humanidade redimir-se. No trabalho físico, no trabalho do espírito.
Assim, à primeira vista, qualquer campanha desenvolvendo-se onde quer que seja, no sentido de encaminhar ao trabalho quantos não trabalham, é coisa elogiàvel; resta saber se será eficiente em quaisquer circunstâncias. Se não será demasiado empírico o simples convite: Meu filho, trabalha que trabalhar é bonito. Se, de facto, ao contrário do que se deseja, não está a agudizar-se uma fome, em vez de satisfazer-se uma necessidade. Interessa interrogarem-se os promotores de propaganda psicológica a favor do trabalho, se deve enfrentar-se uma discutível propensão para a indolência de qualquer agrupamento humano, ou uma bem palpável ausência de oportunidades verificada em determinada zona geográfica, para os seus habitantes se realizarem no trabalho.
Claro que seria errado partir-se do pressuposto de que um grupo étnico tivesse qualidades intrínsecas, de natureza rácica, contrárias à necessidade humana do trabalho e que fosse, em consequência, necessário assentarem-se as baterias duma campanha contra o fatalismo de tais características. Claro que seria errado ignorarem-se todas as verdadeiras razões que mantém milhares ou milhões de seres afastados do trabalho regular e justamente remunerado, razões de ordem económica e social.
No caso concreto da anunciada acção psicossocial para dignificação do trabalho, com cartazes a tudo, oferece-se como questão fundamental, antes de mais nada, esta pergunta: em quê, onde vão eles trabalhar?
A profunda remodelação dum território como Moçambique, em estado de subdesenvolvimento, a revolução económico-social dum país, como a que se dá mostras de pretender-se, não pode operar-se por parcelas, desencontradamente, atacando-se consequências em vez de eliminarem causas, procurando-se coçar a comichão, em vez de tratar a sarna.
É preciso não desconhecer a crise de desemprego que é notória, entre os africanos, mesmo em aglomerados populacionais como Lourenço Marques, oferecendo maiores possibilidades de trabalho. Assim, chega a tomar aspectos – como direi? – cínicos, aconselhar o trabalho a quem procura, aflitivamente, trabalho.
E quanto a Moçambique inteiro – o que se impõe, o que é urgente? – o seu rápido desenvolvimento económico, a sua ocupação agrícola, a sua industrialização, criando-se assim uma larga e permanente absorção de mão-de-obra, com pagamento certo e suficiente, para a dignificação do trabalho. E os trabalhadores surgirão, aos milhões, em busca de elevação do seu nível de vida, em procura de “dignificação” da pessoa humana, faltando só à chamada natural os indolentes de sempre e de toda a parte, na Europa, na Ásia, na África, na América e na Oceânia.
Cria-se o clima, proporcione-se o ambiente, fabriquem-se condições autênticas, que o resto virá por acréscimo.
De maneira que, pode afirmar-se, mais uma vez, o que é preciso é o progresso que tarda, para em todos os sectores da vida humana de Moçambique, se realizar o milagre que esperamos. Sem cartazes.

2 comentários:

  1. Neste momento em que vemos o mundo cair num caos econômico, onde os responsáveis não são penalizados e ainda continuam exigindo os "bónus" de milhões por ano, sem terem que apresentarem bom trabalho. O argumento das oligarquias financeiras ¢ o mesmo em todos os países, se não pagarmos tais bónus, perderemos os empresários competentes. Mas se todos os governos fossem consequentes, para onde iriam então esses magnatas do dinheiro mal ferido? Marte, ou Plutão?

    Nesta data do trabalhador, me pergunto, onde fica a classe trabalhadora, seja ela média ou baixa? Mais uma vez vendo a fumaça do dinheiro do seus impostos, sendo queimados para aquecer uma minoria mundial.

    Ao ler este texto escrito à tantos anos atrás, tal como antes, percebo que o problema da falta de vontade política em acabar com a miséria mundial, continua sendo um sonho a lutar. Sem utopias ou extremismos, mas com honestidade e consequência política.

    ViVA O DIA DOS VERDADEIROS TRABALHADORES!

    António Maria

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