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quarta-feira, 19 de maio de 2010

epigrama porventura válido

Coloco hoje aqui um poema, da década de sessenta, que há muitos anos não o lia. A folha datilografada pelo próprio Gouvêa Lemos, com algumas correções feitas também pelo próprio, estavam guardadas por um Tio, o José Moreira de Carvalho, junto com outro poema, que aqui também colocarei por estes dias, e a outros seus pertences.
O José Moreira de Carvalho, cunhado do Gouvêa Lemos, em outros tempos farmeiro na região de Vila de Manica, foi sempre um grande admirador e irmão do GL, e só isso o faria guardar por tantos anos estes dois presentes que acaba por nos presentear.
Obrigado Tio Zé!

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Epigrama por ventura válido

Poeta ou não,
- eu quero lá saber se sou poeta –
há coisas insensatas
que nos apraz
dizer.
(Aliás
sendo chata
“que me apraz”
é expressão sensata
que me apraz.)
Pois bem:
poeta ou não
hei de gritar
em crua liberdade
- prosa tem sempre uma solenidade implícita –
hei de gretar descomposto
como um bêbado perdido numa vila burguesa
vila burguesa dormindo
hei de gritar gritar gritar
hei de gritar com raiva
como um doido morfinômano em último grau
a quem tiraram a morfina de repente
e meteram num colete de forças
hei de gritar gritar gritar gritar
- em prosa seria feio gritar assim –
oh Deus meu Deus até me ouvires
hei de gritar gritar a minha fé
em que o mundo que aí vem
chacais não será vosso
o mundo que aí vem
chacais não será vosso
e os meus filhos não terão medo
chacais
os meu filhos não terão medo.

Gouvêa Lemos
(década de sessenta – em Moçambique)

3 comentários:

  1. A cada descoberta , aprendo ...

    Quantas " previsões " fez ele ?!

    Obrigada, meu tio pelo presente , beijo grande!

    Tareca

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  2. completando...

    Pai, teus filhos não têm medo, como tu
    "gritamos "

    Tareca

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  3. Me lembro que ele, talvez por ter bons amigos que dominavam a poesia, não se atrevia em encaixar-se nesse grupo tão competente - composto por pessoas como Rui Knopfli, Zé Craveirinha, Glória de Santana, só para mencionar alguns deles - mas sem dúvidas também "rabiscou" coisas muito boas.
    Obrigado ao tio Zé, o nosso querido "farmeiro" da Herdade da Boa Entrada, no Zónué, região de Manica. Onde além de várias férias, tive o prazer também de viver com o irmão ZP, e a falecida mana Joãozinha, um ano escolar, frequentando a escola primária rural da professora Estela Niza. Tempos de muita liberdade no campo, aventuras no mato...e claro, poesias.

    Tó Maria

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