Translate / Tradutor

terça-feira, 1 de junho de 2010

PARA UM RETRATO DA MINHA AMIGA CIDADE (02)


São quatro e meia da manhã e o vermelho machibombo arranca em frente do Bazar do Xipamanine, com os seus cigarros “king size” e seus sorrisos de dentifrico nos lombos, carregando lá dentro sob as luzes amarelas cinqüenta e tal estivadores, rumo à Praça Mac-Mahon. Que é do sol, que ainda não veio alumiar estes heróis no avanço do cais Gorjão, onde vão manusear às lingadas o pão nosso de cada dia? Que é do sol, que se guarda para acordar a Polana?!
Minha amiga cidade, atenção a esse sol, não vá ele aburguesar-se.

*

Pela Avenida Craveiro Lopes, já vem chapinhando na água das chuvas, chap-chap, os pés descalços no leito do asfalto do rio parado, o mainato, os moleques, os cozinheiros, os mufanas, as mamanas, os serventes, os ardinas. Os camiões de lixo recolhem. Os de leite circulam. Na Caldas Xavier galopa uma carrinha de quatro cilindros, trabalhando em três e batendo os guarda-lamas, com um cão a ladrar-lhe. Leva galinhas, ovos e papaias.

*

Mesas empilhadas e cadeiras encolhidas junto das cervejarias, água e vassouras espreitando às portas, criados retirando as latas vazias de lixo, vai começando o ronronar contínuo dos motores de toda a casta de bichos com rodas, e – bom dia Lourenço Marques! – o sol já nasceu sim senhores, que as empregadinhas já pisam , e pisam bem, e ainda bem que pisam, as ruas que descem para as lojas, para os armazéns, para os salões, para os escritórios, para as repartições, ah! as empregadas já vêm, faladoras, os cabelos cacimbados do chuveiro, ó cidade amiga, elas dão-te mais graça, elas são mais frescas, elas são mais repousantes que todos os parques e jardins!

(continua...)
 
Foto: Café Continental e um machibombo vermelho. Foto do site NRP Álvares Cabral F336
 
.

6 comentários:

  1. Micky Diogo da Silva1 de junho de 2010 às 23:31

    O Tio António consegue transportar-nos e fazer-nos sentir todo o cenário envolvente. Quase que parece que está a contar um episódio da nossa vinda e,no fundo,está mesmo.Como se nos tivessem a devolver um pouco de nós.
    Kanimambo por partilhares conosco estes retalhes,Zé Paulo.É muito generoso da tua parte.
    Beijo grande.

    ResponderExcluir
  2. Como é bom recordar , conseguindo visualizar a imagem e o falar , em cada escrita destes retalhos de vida...

    Beijo meu pai !

    Tareca

    ResponderExcluir
  3. Querida Micky,
    Que bom é te ver por aqui. Que familiar e gostoso é ouvir (ler) esse teu "Tio António".
    Beijo grande.

    ResponderExcluir
  4. Simplesmente genial a forma poética como ele, "com olhos de ver", sentia e via a sua cidade.
    Ao reler seus textos, me delicia a sua forma tridimencional nos aspectos sociais, e colorida, nas roupagens e gentes de uma capital de província colonial. Com um sopro de esperança que os Samuéis um dia seriam pássaros.
    A esperança não morreu.


    Tó Maria

    ResponderExcluir
  5. De facto, Tó Maria. Defeniste bem essa característica tridimensional na escrita do Pai.
    E, claro, o Samuel nunca perderá a esperança de se transformar em pássaro... e nem quem acredite nele.

    ResponderExcluir